Tem seis metros de altura máxima. Toda construída em aço corten. É a mais recente obra de arte em Monção. Foi inaugurada esta quinta-feira, na Avenida D. Afonso III.
Com assinatura de Maciel Cardeira, a obra retrata uma das mais emblemáticas lendas do concelho que todos os anos é recriada nas Festas do Corpo de Deus, em junho.
Trata-se de um combate entre o cavaleiro e o dragão (popularmente conhecido por Coca). Reza a lenda que, caso vença S. Jorge, haverá boa colheita de vinho Alvarinho. Se a vitória sorrir à Coca, aproximam-se tempos difíceis e de grande incerteza.
“É uma tradição nossa muito forte. Nos 50 anos do 25 de abril estamos com isto a regar a democracia e a liberdade, com este combate sempre pela liberdade. Que essa liberdade possa sempre ser colocada ao serviço de Monção e de Portugal”, disse o Presidente da Câmara, António Barbosa, à Rádio Vale do Minho.
[Fotografia: Rádio Vale do Minho]
Sobre o combate
A luta acontece sempre ao final da tarde de quinta-feira, feriado de Corpo de Deus, no anfiteatro do Soito.
A multidão enche a arena e, evidentemente, todos torcem por S. Jorge – que, contrariamente ao dragão, simboliza o bem.
As regras são simples: num primeiro round, o Santo tem de espetar uma lança por três vezes na boca do animal. Depois, já munido de uma espada, tem de cortar uma das orelhas da Coca.
Parece fácil, mas à medida que o combate avança, cavalo e cavaleiro têm de fazer cada vez mais esforço. Até porque a cabeça do dragão move-se para um lado e para outro, o que dificulta ainda mais a tarefa.
O momento em que São Jorge venceu, no combate do ano passado
“Estar à coca”
“Dizem que a Coca era um monstro que outrora andava aqui nas águas do rio Minho e que apanhava as raparigas que encontrava na ribeira. Até que um dia, apanhou a mulher de S. Jorge”, contou o historiador José Hermano Saraiva em 1998, durante o programa televisivo Horizontes da Memória dedicado a Monção.
“Claro que S. Jorge não gostou. Ficou muito zangado. E travou um grande combate com a Coca… e matou-a”.
Mas que verdade é que pode existir nisto tudo?
Conta o historiador que “na Galiza existe o mesmo simbolismo da Coca”, dando exemplos de várias expressões galegas onde o termo se aplica como se fosse “um papão para meter medo”. E lança para a mesa a conhecida expressão “estar á coca”. “Porque o medo espreita-nos sempre”, disse.
[Fotografia: DR]
S. Jorge poderá ser… S. Miguel
Mas o que tem a Coca a ver com o Corpo de Deus? “Nada”, diz José Hermano Saraiva. E isso levou etnógrafos e investigadores a tentar perceber qual a origem deste episódio “aparentemente pagão” colocado numa celebração cristã como é o caso do Corpo de Deus.
“Durante o século 15 e talvez uma parte do século 16, havia duas procissões que eram obrigatórias e que se faziam perto uma da outra: uma era a do Corpo de Deus e a outra era a de S. Miguel”, explicou José Hermano Saraiva.
“S. Miguel era o chamado Anjo Custódio. Era o Anjo Protetor de Portugal. Os Reis de Portugal mandavam representar as cinco quinas no escudo que S. Miguel exibia. É o guarda dos céus que trava o combate com satanás”, explicou.
Ora, em tom dedutivo, o historiador recorda que este combate entre o anjo do bem e o anjo do mal foi muitas vezes teatralizado na idade média. “Como as duas procissões eram obrigatórias, começaram a incorporar o episódio da luta de S. Miguel nas celebrações do Corpo de Deus”.
Mas porque é que mudaram o nome ao Santo? “Por uma razão simples. S. Jorge passou a ser o patrono do nosso exército”, concluiu José Hermano Saraiva para quem esta tradição monçanense “poderá ser uma reminiscência do teatro medieval em que se representava a luta entre S. Miguel e lúcifer”.
Veja o programa de José Hermano Saraiva em Monção (1998)
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