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Vale do Minho/Emigrantes: E se de repente todos decidissem ficar?

20 Agosto, 2018 - 11:29

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Foram vários os condutores que, na noite em que José Cid atuou em Melgaço, tiveram dificuldade em estacionar o carro. O mesmo cenário em Monção, no passado sábado. A lotação […]

Foram vários os condutores que, na noite em que José Cid atuou em Melgaço, tiveram dificuldade em estacionar o carro. O mesmo cenário em Monção, no passado sábado. A lotação praticamente esgotada ainda conseguia deixar incrédulos alguns automobilistas que, disseram, passaram quase uma hora a dar voltas à vila à procura de um “buraquinho” para deixar o carro. Nos cafés e restaurantes, os proprietários não tinham mãos a medir. Mesas sempre cheias. À medida que a noite avançava, os pedidos demoravam mais. O desgaste em alguns funcionários era notório. Da noite para o dia, a população tinha mais que duplicado em vários concelhos do Vale do Minho. A presença da comunidade emigrante estava a ser sentida em força.

 

Saturação e maiores índices de irritabilidade

 

E se de repente todos os emigrantes decidissem ficar? A questão ocorreu-nos ao observar todo este cenário de esforço redobrado em vários setores. Numa altura em que vários autarcas apelam à diáspora para que invista mais nos concelhos de origem e numa altura em que a economia portuguesa volta aos níveis de pré-crise, o que sucederia se todos – mas mesmo todos os emigrantes vale-minhotos – fizessem esta escolha? A Rádio Vale do Minho ouviu nomes da região ligados às mais diversas áreas e, para já, há um denominador em comum: o risco de caos estaria iminente. “A qualidade de vida seria menor. O stress aumentaria, pois existiriam maiores dificuldades em circular, maiores dificuldades em estacionar viaturas. As filas de espera para os serviços e atendimentos seriam significativas o que causaria saturação e maiores índices de irritabilidade”, deduz desde logo a psicóloga Cláudia Pires de Lima, natural de Paredes de Coura. “Seria esperado que surgissem desacatos e conflitos. Contudo, além da capacidade de adaptação dos seres humanos, teria de se acreditar na rápida criação de respostas às novas necessidades”, acrescentou.

Os primeiros sintomas desta decisão iriam assim, evidentemente, fazer-se sentir nas ruas e nos estabelecimentos comerciais. “As empresas ver-se-iam obrigadas a contratar mais funcionários. Mas perante um aumento tão abrupto da população, até que ponto haveria emprego para todos? Pelo menos a curto prazo”, questiona Helena Ramos, presidente da Associação Empresarial de Paredes de Coura. “Mesmo que uma decisão dessas acontecesse, nenhum dos Municípios do Vale do Minho está hoje preparado para um cenário desses. A emigração é uma realidade há décadas. Se de repente todos decidissem ficar, gerar-se-ia uma situação caótica que poderia levar meses ou anos a ser solucionada. E volto a tocar na questão do emprego. Seria muito difícil, talvez impossível dar resposta nesta área a tanta gente. Logo, teriam de voltar a sair: para vivermos, temos de trabalhar. Quanto mais não seja em cidades mais próximas, como Braga ou Porto”, considera Helena Ramos.

 

 

Ruptura do Serviço Nacional de Saúde

 

Com o previsível aumento da taxa de desemprego, os concelhos cairiam no risco de ver aumentar outro tipo de fenómenos mais negativos como criminalidade e delinquência juvenil. “Será que as nossas escolas teriam também capacidade de resposta para tantos estudantes? Duvido. Portanto, mesmo que todos decidissem ficar, o mais certo é que a curto ou a médio prazo se vissem obrigados a voltar a sair devido ao cenário adverso que iria começar a surgir em toda a sociedade”, traçou ainda Helena Ramos. 

Entre o curto e médio prazo, os efeitos deste aumento repentino da população chegariam também ao setor da saúde. “As escalas de urgência que por si só já são deficitárias ainda têm [nesta altura do ano] o acréscimo de um maior desfalque por férias de colegas. Se somarmos a isto o facto de os internamentos terem camas limitadas estando preparados para a população efetiva e não para esta sazonalidade, a situação agrava-se”, alerta Alexandra Táboas, médica natural de Melgaço. “Os Médicos de Família tem as suas listas atribuidas e os horários de consulta feitos tendo em conta a resposta que tem que dar na maioria do ano aos seus utentes inscritos, não havendo preparação para receber a afluência dos nossos emigrantes. Se juntarmos a tudo isto o facto de a maioria destas pessoas não ter histórico clínico em Portugal e por vezes existir algumas dificuldades a nivel comunicacional, facilmente compreendemos que o tempo de atendimento se estende”, discerniu. Assim, num cenário destes – meramente fictício, voltamos a repetir – a médica melgacense traça um cenário bastante negativo. “Provavelmente seria a ruptura definitiva do Serviço Nacional de Saúde (SNS) que já está à míngua e iria ser posto em causa um dos direitos fundamentais de qualquer cidadão: o direito à saúde. Teria que haver uma reformulação total dos serviços com mudanças radicais desde a estrutura física das unidades de saúde até à parte dos recursos humanos e obviamente alocação de material”, conclui Alexandra Táboas. “Mais custos e necessidade de repensar toda a estratégia de gestão. Não estamos preparados para mudanças radicais demográficas por menores que estas sejam… e a prova disso é que o SNS ainda não conseguiu adaptar se ao crescente envelhecimento populacional que já se verifica há varios anos. A lei do desenrasca não pode ser a norma”, atira a médica.

 

 

“Contração brusca” na gestão das instituições que gerem recursos

 

Decidimos ir mais a fundo nos números. Manuel José Oliveira, natural de Monção e formado em economia e gestão financeira considera que “o aumento generalizado da nossa população num curto espaço de tempo e de forma definitiva obrigaria a uma contração brusca na gestão das instituições que gerem os recursos no nosso concelho, passaríamos a ter medidas reactivas e provavelmente restritivas, politicas viradas para o imediato e abdicando do planificado”. “Hoje Monção não teria no imediato condições para aguentar uma decisão radical como essa; é fundamental perceber que a componente social que se exige numa situação dessas é prioritária e uma autarquia hoje é regulada por números e indicadores de referência que nos permitem interpretar se temos ou não condições para garantir qualidade de vida aos nossos munícipes; em especial na educação, na saúde, na justiça e na habitação”.

Seguindo a cronologia imaginada, a presidente da Associação Empresarial de Paredes de Coura defende mesmo que uma decisão dessas iria conduzir exatamente ao ponto de partida. “Seria como uma bola de neve que iria provocar falhas após falhas… após falhas. Imaginemos o concelho como um balão cheio de ar. Ou o bom senso imperaria e uma parte da população iria desistir (sair) ou então o balão rebentaria provocando o colapso total. Mas seria quase impossível chegar a um cenário desses. Aplica-se bem nestes casos o velho ditado português: «Quando estás mal, mudas-te»”, finalizou Helena Ramos.

De acordo com dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, Monção registava 19 230 habitantes em 2011. Um decréscimo que dura desde 1950, altura em que apresentava 28 040 habitantes. O concelho vizinho de Melgaço, em 2011, registava 9 213. Descida que dura desde 1960, quando apresentou 18 211 residentes. Em Paredes de Coura, a população era 9 198 em 2011. Tem vindo a cair desde 1950, ano em que registou 16 062 habitantes. Valença apresentava 14 127 habitantes em 2011. Embora com menor intensidade, a descida dura desde 1991, ano em que registou 14 815. Em 1950, Valença apresentava 17 139 habitantes.

De referir que todos os especialistas que a Rádio Vale do Minho consultou atribuem extrema importância à comunidade emigrante nos nossos dias. Todos fizeram questão de realçar a “importância de bem acolher” esta parte da população e agradecer o “elevado contributo” que dão a partir dos países que os acolhem.

 

[Fotografias: Ilustrativas / Direitos Reservados]

 

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