Foram muitos os monçanenses que esta quinta-feira manifestaram grande alegria após a notícia de que o Hotel Central tinha sido vendido.
Vai em breve, muito provavelmente, ganhar uma nova vida.
Nas últimas três décadas, o edifício tem estado ao abandono. Uma ruína que vinha preocupando a população e que manchava a sala de visitas da vila: a Praça Deu-la-Deu.
Mas nem sempre foi assim.
A construção do edifício remonta ao ano aproximado de 1850. No virar do século era já um dos mais luxuosos hotéis do Alto Minho: o Hotel Central.
O Hotel Central [à esquerda], no início do século, era símbolo de classe e luxo na Praça Deu-la-Deu
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
Dois dias memoráveis em Monção com visita Real
Terão passado muitas individualidades famosas pelo afamado Hotel Central. No entanto, a mais famosa visita de todas ocorreu nos dias 9 e 10 de outubro de 1901 com o Príncipe Luís Filipe, filho do Rei D. Carlos.
O herdeiro ao trono português era apenas um adolescente. Tinha apenas 14 anos de idade. Mas a vila rejubilou com o anúncio da sua visita.
Conta a imprensa da altura, citada pelo já extinto jornal Notícias de Monção, que a comitiva real chegou a esta vila do Alto Minho ao final da tarde do dia 9 de outubro de 1901.
“A espera estava marcada nos limites do concelho, em S. Mamede, mas quando as nossas autoridades para lá se dirigiam, já encontraram o séquito real no lugar do Engenho, da freguesia de Lapela”, lê-se.
A noite caía e Monção mostrou-se engalanada para receber o jovem. Vários arcos luminosos em diversos pontos do concelho encantavam o povo.
“Eram seis e meia da tarde quando o Príncipe Real chegou às portas do Sol. (…) O seu trem veio escoltado de Valença a Monção por um grupo de ciclistas (…). A entrada na vila, já noite cerrada, foi feita pela Rua Conselheiro João da Cunha, onde se encontrava um arco iluminado”, descreve o periódico.
Príncipe D. Luís Filipe
[Fotografia: DR]
Príncipe rodeado de luxo no Hotel Central (até quebrou o protocolo)
A comitiva seguiu para a Praça Deu-la-Deu e, finalmente, chegou ao Hotel Central onde o jovem iria pernoitar.
À chegada foi cumprimentado pelo Presidente da Câmara, Manuel Joaquim Rodrigues Ramos e por todos os vereadores.
Num dos andares superiores, já estavam preparados os aposentos para receber D. Luís Filipe.
Um quarto “onde a ornamentação e seu mobiliário era o melhor que se podia exigir em luxo e conforto”.
Não houve banquete real. O jantar foi “íntimo” e o príncipe rodeou-se apenas de um grupo muito restrito de convidados.
O que comeram? Eis a ementa segundo a imprensa da altura:
- Canja de galinha
- Almôndegas de carne
- Pasteis diversos (linguado, solha e pescada)
- Perdizes trufadas
- Vitela com ervilhas
- Lombo de Vaca
- Legumes diversos
- Perú
Sobremesas
- Frutas secas e da estação
- Pudins diversos
- Queijos londrino, flamengo, papel, e chester
- Compotas
Vinhos
- Verdes: tinto e branco, da região
- Maduros: Porto e Madeira
- Champanhes, café e licores
Antes da refeição, o Príncipe acabou mesmo por quebrar o protocolo e aceitou que se sentasse também à mesa o proprietário do Hotel Central, Monteiro de Souza.
Ementa foi reproduzida na imprensa da época
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
Mais de 10 mil pessoas na Praça
Enquanto D. Luís Filipe jantava no Hotel Central, a multidão na Praça Deu-la-Deu começou a tomar proporções incríveis.
“Entretanto, cá fora, mais de dez mil pessoas davam incessantes vivas e ouvia-se as filarmónicas da Vila e de Ceivães”, conta a imprensa da época.
Perante um cenário e uma receção destas, o jovem não resistiu.
Saiu do hotel para um curto passeio noturno pelas ruas da vila “que se encontravam ricamente engalanadas e iluminadas”.
“Foi um delírio a passagem do Príncipe Real por entre o povo comprimido”, lê-se.
Hotel Central somava prestígio
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
Visita às Termas
No dia seguinte, o programa de D. Luís Filipe começou bem cedo.
Após o pequeno-almoço, passeou novamente pelas ruas da vila. Sempre rodeado de “muitos milhares de pessoas”. Passou pela Igreja Matriz e orou na Capela da Misericórdia.
Visitou as Termas de Monção e foi lá captada uma das mais icónicas fotografias desta visita Real.
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
A comitiva regressou depois ao Hotel Central para preparar a partida do jovem príncipe.
O momento, segundo foi noticiado, “foi deslumbrante”.
“Houve palmas, vivas e flores” para D. Luís Filipe que partiu em direção a Arcos de Valdevez.
Monção aplaudiu e lançou flores ao jovem na hora da despedida
[Fotografia: DR]
O príncipe teve um fim de vida trágico. Foi uma das vítimas do regicídio.
No dia 1 de fevereiro de 1908 estava com o pai no Terreiro do Paço.
Tanto o rei como o príncipe foram mortalmente baleados.
A Rainha, D. Amélia, saiu ilesa. Já o irmão mais novo, Infante D. Manuel, subiu ao trono como D. Manuel II.
Rei D. Carlos e o Príncipe D. Luís Filipe baleados no Terreiro do Paço, em Lisboa
[Fotografia: DR]
Hotel passou a Pensão
Em meados do século 20, o Hotel Central passou a chamar-se de Pensão Central.
Apurou a Rádio Vale do Minho que continuou a granjear prestígio pelo serviço que oferecia aos visitantes.
Nos anos 80, já como Pensão Central
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
Encerrou no início da década de 90. O edifício tornou-se uma ruína.
Assim permaneceria durante cerca de 30 anos.
[Fotografia: DR/Grupo FB Os Amigos de Monção]
Finalmente chegou esta quinta-feira, de forma oficial, a notícia que o povo tanto aguardava.
O antigo Hotel Central foi vendido e poderá em breve começar a escrever mais páginas bonitas na sua história
Até ao momento, ainda não é conhecido o comprador nem o valor do negócio.
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