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Melgaço

Melgaço: Um ‘segredo’ que passou 400 anos escondido… numa tela

14 Novembro, 2022 - 19:04

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Arte sacra.

É quase um Código Da Vinci, à moda do Alto Minho.

 

Na cerimónia das comemorações dos 130 anos do antigo Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, a instituição revelou aquela que será a mais antiga obra de arte do género existente em Melgaço: uma tela onde pode ver-se pintada a imagem de Nossa Senhora da Misericórdia que, acredita-se, datará de finais do século XVI.

 

A incrível história por trás da descoberta deste tesouro começou há mais de um ano, quando técnicos daquela instuição melgacense encontraram na arrecadação da Igreja da Misericórdia, naquele concelho, uma antiga e deteriorada pintura onde estava representado o momento em que Cristo é descido da cruz. 

 

Concluíram que se tratava de uma bandeira usada em procissões.

 

 

 

Na arrecadação da Igreja da Misericórdia de Melgaço, os técnicos viram esta tela

[Fotografia: SCM Melgaço]

 

 

Um segredo extraordinário

Só por si, a obra já era um verdadeiro achado. No entanto, o melhor estava para vir. 

 

No processo de restauro, verificou-se que aquela pintura escondia – no verso [ou melhor, anverso] – uma outra certamente mais antiga: a referida Nª Srª da Misericórdia. 

 

 

 

Pintura de Nª Srª da Misericórdia escondida no verso [anverso] da bandeira processional

[Fotografia: SCM Melgaço]

 

 

Mas porquê duas pinturas na mesma tela?

“Estamos a falar de uma época em que em Melgaço não havia provavelmente sítio nenhum para comprar uma tela. Logo, o verso da tela de Nª Srª da Misericórdia terá sido reaproveitado para pintar a Descida da Cruz”, explicou à Rádio Vale do Minho o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Melgaço, Jorge Ribeiro.

 

A instituição acredita que a pintura de Nª Srª da Misericórdia será mais antiga do que a Descida da Cruz. A razão acaba por ser simples. “Ao ser-lhe pintada uma outra imagem no verso, pressupõe-se que já existisse uma outra pintura nova. Pintura essa que foi também recentemente restaurada”, deduz o Provedor.

 

Na antiquíssima pintura é possível ver-se “Nossa Senhora da Misericórdia com um vasto manto azul celeste, abertos pelas mãos de anjos, sob o qual se abrigam representantes de vários poderes terrenos e grupos sociais. No grupo da esquerda distingue-se um Pap a- com a tiara papal pousada ao seu lado – como autoridade máxima da Igreja Católica na Terra e outras figuras do clero, todas masculinas. No lado oposto, diversas figuras femininas de aparência nobre, bem como uma freira”, descreveu.

 

“Em redor da cabeça da Virgem dispõem-se uma glória de querubins e cabeças aladas”, prosseguiu.

 

 

E a Descida da Cruz?

No que concerne à Descida da Cruz, é também uma pintura que – muito provavelmente posterior à de Nª Srª da Misericórdia – datará também de finais do século XVI ou princípios do século XVII. 

 

“Como já referi, a pintura foi executada sobre o verso de tela reutilizada da bandeira mais antiga, que representa a virgem da Misericórdia. A composição representa a imagem da cena da Lamentação sobre Cristo depositado na Cruz. É uma composição densa que nos transmite uma sensação de dramatismo, quer pelas cores, quer pelas expressões faciais sofridas, sombrias e dramáticas das figuras representadas”, analisa Jorge Ribeiro.

 

“Do lado esquerdo São João secunda a Virgem que ampara o corpo do filho morto. Junto a Cristo, Maria Madalena, de manto amarelo, é secundada por duas outras mulheres que fazem gestos de lamentação. Por trás da Cruz, em cujos braços se vê pendurado o lençol usado na deposição vê-se o céu preenchido de nuvens escuras o que aumenta o dramatismo da cena retratada”.

“Estamos perante uma peça do património da Misericórdia de Melgaço que fazia todo o sentido restaurar pois enriquece a história da Misericórdia e consequentemente a história do nosso Município, considera”.

 

 

Descida da Cruz, totalmente recuperada

[Fotografia: SCM Melgaço]

 

 

Mas falta o rosto da Virgem

Ambos os lados da bandeira processional foram restaurados. Porém, com um olhar atento, verifica-se que há um espaço branco no rosto de Nª Srª da Misericórdia.

 

“Os responsáveis não tiveram a ousadia de executar essa operação”, contou Jorge Ribeiro. Imperou a prudência e o bom-senso de não editar a obra.

 

A recuperação foi feita através do Fundo Rainha D. Leonor. Em 2021, este fundo tinha a concurso um donativo de 1.000 dólares, feito pela empresa Luxemburguesa NeoGames, ao qual a Santa Casa da Misericórdia de Melgaço concorreu juntamente com 10 Misericórdias de todo o País.

 

A candidatura melgacense venceu este concurso. O restauro foi feito na Fundação Ricardo Espírito Santo Silva durante quase um ano.

 

 

 

Presidente da Câmara saudou a Santa Casa pela recuperação

Presente nesta sessão, o Presidente da Câmara Municipal de Melgaço, Manoel Batista, mostrou-se visivelmente satisfeito com tamanho achado e tão surpreendente recuperação.

 

“A forma como agarramos a recuperação do nosso património diz muito de nós, pelo que a Santa Casa da Misericórdia, o provedor e a sua Mesa Administrativa, estão de parabéns pelo trabalho que tem desenvolvido também nesta área”, referiu.

 

O momento era de festa. Conforme referido, assinalavam-se os 130 anos do antigo Hospital da Misericórdia de Melgaço. A fechar a sessão, um momento simbólico onde os presentes se dirigiram à varanda aplaudindo o regresso das letras Hospital da Misericórdia à fachada do edifício, inaugurado em 1892.

 

 

 

Históricas letras regressaram à fachada do centenário do antigo Hospital da Misericórdia de Melgaço

[Fonte: SCM Melgaço]

 

 

Entre os vários episódios que registou ao longo do seu período em atividade [no século XIX e princípios do século XX], destaca-se o papel fundamental que este Hospital teve no tratamento da disenteria que em 1864 atingiu profundamente todo o concelho.

 

Segundo a investigadora Alexandra Esteves, provocou várias mortes, particularmente entre as crianças e pessoas idosas. De acordo com as autoridades concelhias, a expansão da doença resultava da combinação de vários sectores: temperaturas elevadas, falta de limpeza dos espaços públicos e alimentos estragados.

 

 

 

[Fotografias capa: SCM Melgaço]

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