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Melgaço: Foram obrigados a trocar a enxada pelo pesadelo – Foi há 102 anos

10 Abril, 2020 - 13:04

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Um bando de rapazes. Todos no auge da juventude, entre os 21 e os 24 anos. Grande parte não sabia ler, muito menos escrever. Os dias eram passados a trabalhar nos campos da vila onde viviam… Melgaço. E de um dia para o outro tudo mudou: foram chamados para uma guerra. Algo que nem sabiam bem o que era, afinal de contas também não era da conta deles. Corria o ano de 1917.

O país começava a sentir consequências sérias do conflito mundial, entre elas a fome. O assunto ocupava grande parte do jornal O Século, que também não conseguia desviar a atenção sobre uns acontecimentos para os lados de Fátima. Três crianças garantiam que tinham visto a Virgem. O povo agitava-se. Uns acreditavam. Outros parodiavam a situação.

Esta é a história que nos é contada no livro Melgacenses na I Grande Guerra (e outras guerras do século XX), assinado pelos investigadores Valter Alves e Joaquim A. Rocha. Não houve grande tempo para despedidas nem choros. Enquanto o diabo esfrega um olho, 71 rapazes de Melgaço passaram de lavradores a soldados rasos.

“O que é que eles sabiam da guerra? Nada. Não sabiam disparar uma arma. Estavam apenas habituados a pegar na enxada. Foram sem motivação alguma e quando se vai para uma guerra, o soldado deve ter motivação e sentir que estava a cumprir uma missão”, apontou Valter Alves aos microfones da Rádio Vale do Minho.

Mas ali, naquele momento, não havia qualquer motivação e muito menos qualquer sentimento de missão. “Era uma guerra estranha. Uma guerra que não era deles e a maior parte nem sabia ao que ia”.

 

“O que é que eles sabiam da guerra? Nada. Não sabiam disparar uma arma. Estavam apenas habituados a pegar na enxada.”

 

Sem qualquer conhecimento de hierarquia militar e com o espírito alto-minhoto a comandar as emoções, os casos de indisciplina começaram a multiplicar-se entre os rapazes do Município mais a norte de Portugal. 

“Cada soldado teve um boletim individual onde ficava tudo registado. Encontramos desobediências para todos os gostos. Como por exemplo um soldado, que tinha como missão guardar um setor da sua trincheira e decidiu regressar ao quartel a meio da noite sem qualquer autorização”, contou. “Um soldado com outra preparação nunca teria feito uma coisa destas”.

Entre os 71 jovens seguiam outros quatro elementos naturais do concelho. Esses já soldados de carreira, com patente, entre os 30 e os 35 anos. “Eles não estavam minimamente conscientes do que estavam a enfrentar. O armamento era todo inglês”. Antes de embarcarem para França, ainda tiveram uma preparação flash em Tancos. Já em França, antes de irem para cenário de guerra, receberam nova preparação com os ingleses. “É evidente que de pouco ou nada adiantou”.

 

 

Entre a confusão e a falta de conhecimento sobre tudo o que dizia respeito ao cenário bélico, a juventude melgacense foi resistindo ao lado das restantes tropas portuguesas. Estavam integrados na Brigada do Minho que orgulhosamente ostentava a bandeira do Escudo Português onde se lia Esta é a Ditosa Pátria Minha Amada.

 

9 de abril

 

Chegou então a madrugada de 9 de abril de 1918. No sul da Flandres, em França, os melgacenses acordaram em sobressalto para o maior inferno das suas vidas: a Batalha de La Lys. Eram 4h15 da madrugada quando os alemães começaram um bombardeamento maciço sobre as trincheiras. O comando português foi colhido de surpresa. As comunicações foram cortadas e cada unidade ficou entregue a si própria.

Em poucas horas, as primeiras linhas da infantaria portuguesa ficaram reduzidas a escombros com cadáveres espalhados. Perto das 8h00, os ingleses começaram a retirar. Os portugueses ficaram totalmente desprotegidos. Perdidos no meio do terror, os rapazes de Melgaço viram quatro camaradas tombar ali. Mas muitos mais portugueses foram mortos. Milhares foram feitos prisioneiros.

 

Corpo vivo e a alma feita num oito

 

A guerra terminou nesse mesmo ano. A Melgaço, regressaram 66 rapazes vivos. Para trás, escreve a obra dos dois autores, ficaram os amigos José, de Paços; o José Narciso, de Chaviães; o João, de Paços e o segundo sargento António José da Cunha, natural da freguesia da Santa Maria da Porta (Vila de Melgaço).

“Há concelhos por todo o país onde a percentagem de vítimas mortais é superior. Mas este não é bem um caso de sorte”, sublinhou Valter Alves. Embora vivos, muitos desses jovens regressaram ao Alto Minho “com o juízo completamente perdido”. Para além dos traumas e do stresse causado pela própria guerra, muitos foram vítimas dos efeitos dos gases.

“No que toca à utilização de armas químicas, a Grande Guerra foi uma coisa completamente sem regras”, descreveu. “Atrevo-me mesmo a dizer que, em termos de condições de combate para os soldados, esta primeira Guerra foi muito pior que a segunda”.

E os mortos? Ficaram lá ao longe, sepultados no Cemitério Militar Português de Richebourg l`Avoué, em França. No total, 400 portugueses perderam a vida.

 

[Reportagem originalmente publicada a 16 de janeiro de 2019 – Fotografias cedidas por Valter Alves]

 

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