Bastou apenas uma temporada ao Atlético de Caminha para fazer o que nunca foi feito. Em menos de um ano, um clube que esteve adormecido 10 anos, regressou à II Divisão distrital e deslumbrou. Arrasou tanto que já está no maior escalão do futebol alto-minhoto.
Em entrevista à Rádio Vale do Minho, o Presidente do Atlético de Caminha, Otávio Costa, recordou o passado. Falou do presente e projetou o futuro deste clube que realizou um dos feitos mais estrondosos da temporada.
Rádio Vale do Minho (RVM) – Agora a frio e mais relaxado, um rescaldo deste primeiro ano de seniores desde há 10 anos.
Otávio Costa (OC) – Foi tudo como nos sonhos, tudo muito bonito e com sensações maravilhosas. Mas, com muitas dores e sofrimento muito suor e muitas lágrimas.
Muito trabalho, meses de persistência e encaixe de um modelo diferenciador e exigentíssimo dentro de uma estrutura de clube, que quer queiramos ou não, é puro associativismo, abnegação dedicada e pessoal dos membros de Direção.
Voltar a ter futebol senior em Caminha era há muito a nossa maior ambição, depois de 10 anos de reconstrução do clube desde a base até aos sub19 da formação, até à sustentabilidade financeira.
Lembrávamos aquelas grandes tardes do Morber do passado, dos saudosos anos do Amadores de Caminha e do Atlético, e sonhávamos em que estas gerações de hoje também merecem ter estes motivos a que se agarrar, ter motivações e enraizamento.
E tudo há muito nos fazia sentido. Foi um ano lindo de futebol, de magia com os nossos jogadores, de lhe passarmos a paixão de Caminha para as veias, para o seu esforço ter nexo e de procuramos a cada dia ao longo do ano a glória que viemos a viver no final.
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – Foi uma aposta ganha, é um projecto de continuidade?
OC – Quando a nossa Direção tomou esta decisão, estava a tomar uma atitude super consciente, convincente e sólida, uma atitude corajosa e de “pedrada no charco” – e charco é mesmo charco porque sempre consideramos o futebol no distrito um lugar antiquado, um sem fim de erros de organização do passado, sem brilho e pouca viabilidade.
E esta atitude do Atlético voltar ao futebol sénior teria que ser a antítese de tudo isso.
Um modelo forte e credível, sem “mofos” e vícios regionais, moderno e inovador dentro da nossa dimensão e que se adaptasse ao conceito de futebol que desejamos para nós e pretendemos para o futuro do Atlético e – no fundo – para o futuro do futebol no Distrito de Viana.
Por isso, esta é a nossa visão, implementada e com exito logo na sua primeira fase.
Para nós é claro que o futebol de formação tem o seu modelo e o futebol sénior tem outro. Mais importante ainda: tem a lógica de integração entre uma e outra sem prejuízo para das mesmas. Nunca nenhum pai ou mãe de uma criança atleta nosso está a pagar uma mensalidade para que depois a formação senior receba um prémio ou até um “salário” (se é que lhe podemos chamar assim…), nunca um apoio público à formação ou um patrocinador específico da formação, vê a sua contribuição a suportar o futebol senior. Este um dos grandes defeitos ou vícios das equipas distritais.
Por isso, este modelo dá-nos garantias de continuidade e já foi uma aposta ganha. Com êxito desportivo, separação de águas, sem promiscuidade moral e financeira. De contabilidade organizada, responsabilidade e compromisso social, justiça e equidade dentro do clube, e para fora nos nossos associados, simpatizantes e comunidade em geral.
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – Quais foram os altos e baixos da época? Como se estruturou para enfrentar este desafio novo
OC – Tivemos uma fase inicial dura. De encaixe e adaptação ao “1 Clube 2 modelos”. De enquadramento com novas exigências e realidades diferentes, de maiores preocupações. De logísticas e operacionalidade acrescida.
Uma fase de introdução de um projecto novo junto da comunidade, do Município, das instâncias distritais de futebol.
E claro, de integração de novas pessoas ao dia a dia do clube, pessoas com funções profissionais numa estrutura amadora. Jogadores, equipa técnica, director desportivo, directores executivos. Pessoas excelentes que vieram para agregar e trazer o melhor para o Clube.
Encontrar a forma jurídica perfeita e dentro do quadro legal, para nada falhar ou ficar pendente, para estar imbuída de forte compromisso e responsabilidade em linha com todo o projecto e as suas naturais ambições.
Foram tempos de coordenação com toda esta boa gente que trabalha incansável para o mesmo objectivo que é o desenvolvimento e o prestígio do Clube.
Encontrar a formula certa de acordo entre o Clube e a Sociedade Desportiva por Quotas (SDQ) que o Clube fundou com os seus investidores externos.
Ao longo da época criar todas as condições em perfeita comunhão de esforços entre Clube e SDQ para que tudo fosse coerente com toda a dinâmica de criar sucesso e valor, atingir objectivos, cuidar e empoderar os atletas que são as nossas “jóias”.
Projectar e dar visibilidade a um clube com 33 anos de vida desportiva e institucional própria, agregando uma SDQ que se dedicasse independente e exclusivamente na construção e objectivos do futebol sénior.
A SDQ veio dar uma vida nova ao Clube. Outras motivações, dinâmicas quotidianas a toda a gente dentro do Atlético. Uma mobilização brutal dos sócios, de adeptos e fans. Trouxe-nos novos desafios, mais gente ao estádio e, importantíssimo, trouxe-nos as novas gerações de que o futebol em geral e os clubes tanto necessitam.
Os novos atletas seniores, que não sendo na sua grande maioria de Caminha, se apaixonaram pelo Concelho e deram tudo pelo Clube, mobilizando os miúdos mais novos da formação à volta deles. Aos nossos sócios da SDQ, Presidentes executivos e investidores Alberto Maeda e Cristina Kusama, pessoas de uma dedicação e entrega extrema, que 24/24 vivem e transportam o Clube para outra dimensão, com conhecimento e esforço abnegado.
Com o André Bahia, Director técnico, ex futebolista de referência e carreira internacional vasta, que trouxe experiência, reputação e visão.
Tudo isto foi a vida do Atlético ao longo de apenas 12 meses no futebol sénior com jornada após jornada a afirmar o seu futebol e a sua filosofia de jogo no campeonato, competindo árduamente com adversários enormes e muito competitivos.
Em tudo o resto a época foi sempre como tem sido: todas as equipas de formação desde os 5 aos 19 anos a evoluírem e a representar o Concelho, com um enorme sentido de serviço à comunidade e à educação e prática desportiva saudável das nossas crianças.
[crédito fotografia: AC Caminha]
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – Que importância tiveram os adeptos e o impacto em Caminha? O Município ajudou?
OC – O Clube são os seus associados e simpatizantes, ponto!! Foi claramente a nossa maior glória!
O regresso de todos, o progressivo e entusiástico interesse em regressar às tardes do Morber. Ver velhos e novos, famílias completas, gente que nem sequer conhecíamos a entrar pelo estádio com cachecóis e bandeiras, domingo após domingo…essa maré crescente que foi também quem nos galvanizou.
E um facto importante também, comunidades imigrantes no concelho a agregarem-se ao clube da nossa terra, que também é a deles. Os nossos emigrantes que estão longe, em permanente ligação aos resultados e à emotividade de cada jornada.
Tudo isto é a criação de um sentimento de pertença, tão necessária na sociedade e que é a força de Caminha e do Clube. É um enorme orgulho desta Direção e este também é o vector fundamental do futuro do Atlético.
A Câmara Municipal teve um papel empenhado e adequado. Apoiou dentro das suas competências tal como o faz a cada ano.
Se é o indicado às nossas necessidades e à responsabilidade que tem com um Clube que tanto faz pela comunidade, claramente e na nossa opinião é bastante curto para a realidade e dinâmica desportiva, sobretudo olhando para apoios que outras equipas de outros concelhos conseguem no seio das suas instituições autárquicas, e que inequivocamente constituem um factor de concorrência desleal no seio do mesmo campeonato.
O Estádio Morber é um equipamento municipal onde a residência permanente do Atlético Clube de Caminha é exclusivo, e neste âmbito o Município coordena impecavelmente connosco esse estatuto.
Logicamente vemos enormes problemas e situações deste equipamento que poderiam estar em melhor estado funcional ou melhoramentos e reabilitações que carecem de ser executadas.
Tudo pode ser melhor quando se trabalha para isso e teremos exigências para a competição e para a evolução das nossas equipas que obrigatoriamente terão de ser efectivas no Estádio, que cumpre também uma função para todas as outras colectividades e que é a montra desportiva do Concelho.
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – E o campeonato? Os adversários e o futebol distrital, há futuro promissor também?
OC – Eu joguei futebol, ou melhor “futebola-prá-frente” há bem mais de 20 anos atrás, nesta mesma 2ª divisão e durante 10 anos no meu Atlético na altura da sua fundação.
Pois aquilo que se joga hoje é verdadeiramente surpreendente, muito bons jogadores, jogo tecnicamente bastante bom, evoluído taticamente.
Treinadores certificados e com conhecimentos, preparação física. Bem, um sem fim de diferenças abismais com aqueles outros tempos. Para já não falar dos equipamentos desportivos, as botas…as minhas duravam 2 meses!
Os estádios, os relvados, os balneários, e até de certa forma alguns dirigentes. Tudo mudou e esse além do regozijo, cria obviamente mais desafio ao que pode ser ainda mais a competitividade dos clubes e dos atletas e a organização dos campeonatos. Que todos saibam aproveitar este caminho de progresso!
Mas, uma vez mais, foi o público e os entusiastas que me surpreenderam. Gente dedicada aos seus clubes, presente no apoio nos estádios. Gerações muito novas a vibrar com a sua terra e o seu clube.
Até as arbitragens me surpreenderam, vimos muito bons árbitros! Se me lembro do passado…
E finalmente a impressionante cobertura e acompanhamento activíssimos das rádios e jornais, dos meios e sites, das redes sociais e App sobre os campeonatos. Este movimento positivo conseguiu gerar e atrair muita gente para a audiência dos campeonatos.
E neste aspeto, o nosso campeonato da 2ª divisão, pela sua competitividade renhida até ao fim, chegou a criar mais audiência e interação por exemplo nas redes sociais, do que a 1ª distrital em algumas jornadas.
O futuro é pois promissor, se os responsáveis da Associação de Futebol de Viana do Castelo (AFVC), os dirigentes dos clubes e todos os intervenientes tiverem rasgo e audácia, talento e foco, visão e dinâmica, para serem agentes deste incrível desenvolvimento do futebol.
Sem o ranço, o bafio, a ineficiência e a incoerência, a espúria e o clientelismo de outros tempos.
[crédito fotografia: Município Caminha]
RVM – Que competências tem a Sociedade Desportiva por Quotas (SDQ) e que compromisso mútuo existe com o clube?
OC – A SDQ é uma sociedade jurídica fundada pelo Atlético Clube de Caminha e pelo grupo de investimento liderado pelo Alberto Maeda e pela Cristina Kusama que são os gestores profissionais, e onde estão inerentes todos os direitos e deveres das partes na gestão e prossecução da actividade do Atlético Clube de Caminha SDQ, de todas as salvaguardas e proteções sobre o que são para nós os valores inalienáveis do clube e da história do Atlético Clube de Caminha: o seu lugar de existência em Caminha, o seu emblema, as suas cores, a sua bandeira e o seu nome.
Respeitando os estatutos do Clube na íntegra, bem como todos os protocolos vigentes, sócios e Direções (a qual ao dia de hoje eu sou o Presidente), ou Direções legitimamente eleitas.
O Atlético de Caminha SDQ tem um Director Executivo, que também é o seu Presidente, o Alberto Maeda, e que no exercício da actividade da SDQ faz a gestão corrente do futebol da equipa Senior exclusivamente.
As tomadas de decisão estratégicas institucionais são de comum acordo ou quorum, bem como todas as deliberações da sociedade, contabilidade e administração financeira.
Permite-nos a nós Clube, garantir a passagem dos nossos jogadores da formação para a equipa sénior regularmente, numa transição óbvia nas aspirações dos nossos jovens.
Tudo isto é a fórmula que estabelece as regras de actividade da ACCSDQ e do ACC.
Este é o modelo simples que, mais tarde ou mais cedo será seguido por muitos clubes das Distritais, não tenho dúvidas! Por todas as razões de transparência e gestão organizacional, de progresso e justiça no futebol.
Que como disse antes, vive da deslealdade concorrencial de quem dá dinheiro por baixo da mesa, quem paga “salários” e sustem virtualmente uma competição que “dita” amadora, tem milhares e milhares de euros de fluxos (muitos deles sem documentação suporte) para pagar jogadores, treinadores… e que em algumas circunstâncias utiliza dinheiros públicos de autarquias encapotados constantemente em subterfúgios pouco claros.
Essa concorrência desleal e fraudulenta (até do ponto de vista de Agência Tributária e Aduaneira) cria desequilíbrios e injustiças nas competições desportivas.
Estas duas entidades jurídicas formam os Clube e a parte profissional do Clube SDQ.
São de gestão independente, mas verificadas como em qualquer empresa quotidianamente e nas AG anuais ou extraordinárias que se realizem.
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – Finalmente, existe dimensão económica, patrocinadores etc. para que este e outros projectos vinguem no distrito? Ou melhor, o futebol pode esperar por mais e melhor?
OC – O Distrito não tem um ecossistema de empresas de escala, evoluída e saudável.
Logo, os patrocínios escasseiam. O valor da publicidade é quase miserável, as receitas de bilheteira são residuais e os bares seguem o mesmo tamanho, os sócios são poucos e com quotizações anuais de uns poucos Euros.
Está tudo a anos luz do equilíbrio entre o que custa a vida de um clube e a receita que consegue obter.
A gestão de coisas tão simples como os seguros que cada clube obrigatoriamente tem de efectuar sobre cada atleta, e que no momento de 1 lesão tem de acionar com 200€! Imaginem se estes imprevistos se dão muitas vezes ao longo do ano! Que fazemos? Os clubes não tem como suportar.
Depois, depois…vem as tais “ajudas”. Das autarquias em alguns casos, das dívidas sem pagar ou proteladas na Associação onde todos deveríamos ser iguais, mas como já disse isso não é vida, nem é aconselhável para o bem de todos e da verdade do futebol, do tal movimento necessário para sair de um lodo de vícios de décadas, para uma almejada modernidade mais coadunada com estes tempos e estas gerações mais comprometidas com valores mais universais.
E isto também vai atrair nova gente para gerir a modalidade, novos investidores – importantíssimo – novas dinâmicas, novos adeptos, nova massa crítica transversal.
Vamos evoluir, mas este modelo como o do Atlético, vai mostrar alguns caminhos importantes nessa transformação exigida e irreversível. Queremos o futuro, mas queremos desenha-lo com outros argumentos.
[crédito fotografia: AC Caminha]
RVM – Um desejo para a próxima época?
OC – Passo a passo. Sempre com ambição, mas com os passos certeiros. A consolidação a curto prazo na 1ª divisão distrital onde vamos encontrar clubes com quem nunca ou quase nunca nos cruzamos.
Lembro que o Atlético nunca passou na sua história da antiga 3ª divisão onde foi campeão, e esta época de onde sai pela primeira vez em 32 anos para a divisão maior.
Que o Atlético seja um clube cada vez melhor, mais organizado, e que seja um modelo admirado, que inspire e corresponda ao orgulho e sentimentos de pertença da nossa Caminha que tanto amamos.
Se algo puder pedir verdadeiramente, é que a massa associativa e adeptos cresçam constantemente e sigam cada vez mais e apaixonadamente este clube.
Se para isso tivermos sempre que ganhar, dentro das regras da modalidade e da ética desportiva, pois que ganhemos sempre, até chegar onde nos deixem chegar desportivamente os adversários.
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