“Aconteceu aqui uma autêntica passerelle de carros de altíssimo luxo, de onde saíam senhoras muito bem vestidas”.
As palavras são de José Adriano Oliveira Cruz, investigador da história de Monção, a propósito do dia da grande inauguração do Cine Teatro João Verde.
Aconteceu no dia 11 de junho de 1949. Monção parou para inaugurar um novíssimo e sofisticado equipamento cultural.
Foi batizado com o nome maior das letras monçanenses: o poeta João Verde.
“Foi uma festa fabulosa. Marcaram presença autoridades portuguesas, espanholas, Presidentes de Câmara, Governadores Civis e autoridades religiosas. Realizou-se um grande baile exclusivamente destinado à alta elite daquele tempo”, contou José Adriano Oliveira Cruz com base nos estudos que fez.
Em pleno Estado Novo, a Câmara de Monção era presidida por António Vasconcelos Felgueiras, homem em quem o Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar depositava “muita confiança”.
Mas de onde veio a ideia do Cine Teatro?
Para perceber a génese deste auditório, é necessário recuar até à fatídica madrugada de 15 de março de 1938.
Na esquina da rua Francisco José Amaral com a Rua General Pimenta de Castro, mesmo em frente à Praça da República, existia a sede do então chamado Teatro Monçanense.
Nessa noite, um violento incêndio reduziu o edifício a escombros. Monção perdeu aquela que seria na altura a principal sala de espetáculos da vila.
A espera por um novo espaço duraria mais de uma década.
“Aconteceu aqui uma autêntica passerelle de carros de altíssimo luxo”, contou José Adriano Oliveira Cruz
[Fotografia: Rádio Vale do Minho]
O primeiro filme
Num ápice, chegou a década de 50. O teatro perdia cada vez mais terreno para o cinema… e o Cine Teatro João Verde foi elaborado a pensar nos novos tempos.
Não tardou até chegar o primeiro filme: A Canção de Sherazade, de Walter Reisch, 1947.
Primeiro filme exibido no Cine Teatro João Verde
“O cinema era três vezes por semana: à terça, à quinta-feira e ao domingo. Os bilhetes mais baratos custavam 3 escudos e 50 centavos”, descreveu o historiador com uma precisão incrível.
Até a palavra “Monção” aparecia escrita no telhado do edifício
[Fotografia: Albertina Santos / Grupo FB – Amigos de Monção]
Cinema, teatro e “bailes fantásticos”
As décadas de 50, de 60 e até mesmo de 70 foram de ouro para o Cine Teatro João Verde.
Em 1952, acontece em Monção um evento de maior dimensão: a Festa de Encerramento dos Cursos Oliva. Sim… estamos a falar da icónica máquina de costura, cuja concorrente principal era a Singer.
Nesse ano, a OLIVA implementou por todo o país um plano de divulgação da máquina de costura. Em cada concelho, as alunas inscritas eram desafiadas a elaborar trabalhos naquela máquina. Durante dois meses, as monçanenses produziram cerca de uma centena.
Segundo noticiou o jornal A Terra Minhota, entre os trabalhos realizados contavam-se vários vestidos e roupas interiores. Foram todos expostos tendo a mostra sido “muito concorrida”, realça o periódico.
Memorável festa de finalistas da Oliva em Monção, em 1952, no Cine Teatro
[Fotografias: José António Barreto Nunes / Grupo FB – Amigos de Monção]
As festas sucediam-se. Entre bailes, cinemas e festas de aniversário, o Cine Teatro era dos espaços que mais bombava em Monção. Assim entrou na década de 60.
“Houve cinema, teatro e bailes fantásticos e um auditório com mais de 700 lugares sentados. O piso superior, totalmente plano, era onde se realizam os bailes. Faziam-se também exposições de numismática, filatelia”, prosseguiu Oliveira Cruz.
Bilhete para espetáculo no Cine Teatro João Verde
[Fotografia: Albertina Santos / Grupo FB – Amigos de Monção]
Pelo palco passaram famosas Revistas à Portuguesa e Vasco Santana foi uma entre as muitas celebridades que arrebatou aplausos em terras de Deu-la-Deu.
Nos entretantos, o rock explodia por todo o mundo. Se lá ao longe eram os Beatles e os Rolling Stones, por cá eram os Plátanos.
Bailes e festas sucediam-se no Cine Teatro, com os Plátanos a conquistar o povo
[Fotografias: José António Barreto Nunes / Grupo FB – Amigos de Monção]
Após a Revolução do 25 de Abril, o êxito do Cine Teatro parecia intocável. As grandes performances musicais continuavam a acontecer naquela sala de espetáculos, que passou também a acolher eventos políticos.
Eventos políticos e musicais sucediam-se na maior sala de espetáculos de Monção
[Fotografias: Fernando Guedes / Grupo FB – Amigos de Monção]
A queda de um símbolo
Só que o cinema ganhava cada vez mais terreno. Os efeitos especiais galopavam. A tecnologia avançava.
O Cine Teatro não se adaptava e os mais recentes êxitos vindos de Hollywood não chegavam a Monção. A maquinaria era antiga.
A era do cinema português, essa, já tinha terminado há muito. E o teatro já não atraia as multidões de outrora.
O dia 31 de dezembro de 1986 é, até à data, o dia mais negro da história do Cine Teatro João Verde. Fechou portas.
Os anos foram passando. A estrutura do edifício começou a degradar-se. Da noite para o dia, mais uns vidros partidos. E assim continuaria por mais de uma década.
Renascer… para sempre!
Volvidos 12 anos, a Câmara Municipal de Monção consegue adquirir o edifício do Cine Teatro por 350 mil euros.
O então Presidente da Câmara Municipal, José Emílio Moreira, ladeado pelo Vereador da Cultura, Augusto Domingues, consideraram urgente dar um novo rumo e uma nova vida ao espaço.
Em 2010, as obras de recuperação seguiam a todo o vapor
[Fotografia: Google]
Toda esta operação durou 15 anos… mas os monçanenses admitiram que valeu a pena a espera.
No dia 25 de abril de 2013, perante os olhos de todos, surgiu um Cine Teatro João Verde totalmente remodelado e adaptado aos novos tempos.
Agora sim… capaz de transmitir qualquer tipo de filme.
Capaz de acolher qualquer peça de teatro, com palco e sistema de iluminação a ombrear com os melhores da Europa. E ainda todo um auditório agora com cerca de 400 lugares, mas pleno de conforto.
Cine Teatro João Verde, na atualidade
[Fotografia: Município Monção]
Ficou bonito? Muitos gostaram… e gostam. Mas há sempre quem discorde. “Se a traça antiga tivesse sido preservada, teria ficado melhor”, considera Oliveira Cruz. À boleia, apontou o Theatro Circo de Braga, que vai mantendo sempre a traça original.
As obras de reabilitação custaram mais de 2,5 milhões de euros.
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