Aconteceu durante o programa Olhá Festa, da SIC emitido na passada segunda-feira.
A equipa televisiva veio até Vila Nova de Cerveira para descobrir um pouco mais deste concelho que por estes dias festejou S. Sebastião. Durante o programa é dado destaque às festas, sobretudo ao concerto de Diogo Piçarra.
Mas o Olhá Festa passou também por um restaurante do concelho. Durante vários minutos é mostrada a confeção de um prato à base de carne de veado.
A polémica surge quando, num dos oráculos, é lido que “Carne de veado é tradição em Vila Nova de Cerveira”.
Não tardou até surgirem os primeiros comentários nas redes sociais.
“Tradição!? Valha-me Santa Engrácia!“, escreveu um internauta. “Sou cerveirence há 58 anos , e nunca ouvi falar nem conhecia tal coisa“, lê-se.
Mas afinal quais são os pratos típicos de Vila Nova de Cerveira?
Numa pesquisa rápida em qualquer motor de busca, a resposta é quase sempre a mesma.
“Os pratos tipicamente característicos de Cerveira estão relacionados com o Rio Minho. Arroz de Lampreia, Debulho de Sável do Rio Minho. Lampreia refogada, Tainha assada no forno. A doçaria está associada à cultura do milho amarelo típico desta zona”, atesta, por exemplo, o Google.
A veracidade é confirmada pelas iniciativas que o concelho dedica a estes pratos.
Sobretudo no que diz respeito à lampreia e ao sável, que têm até um fim de semana gastronómico cada um ao longo do ano.
E o veado?
Sim. É possível degustar carne de veado em Vila Nova de Cerveira. No entanto, e até ao momento, nenhum prato com esta base tem conseguido alcançar o êxito e o prestígio que os já referidos conquistaram.
Embora o veado (ou cervo) seja um dos elementos mais simbólicos do concelho, na cozinha a “tradição” ainda aponta noutras direções.
Mas vejamos o histórico recente do veado à mesa neste concelho.
Entre maio e junho de 2015, numa iniciativa promovida pela CIM Alto Minho, pela Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo (APHORT) e pelos dez municípios da região, foi apresentado em cada um dos concelhos um prato inovador com um elemento identificativo do território.
Em Vila Nova de Cerveira, por exemplo, surgiu o Veado à D. Dinis.
Só que a iniciativa redundou num falhanço em todos os concelhos.
Durante o verão de 2017, Vila Nova de Cerveira ainda tentou recuperar o prato ao colocá-lo à mesa de vários restaurantes. Os resultados foram poucos… ou nenhuns.
[Fotografia: DR]
Elevado a Maravilha… mas da “nova gastronomia”
Em 2021, o veado volta a dar que falar em Vila Nova de Cerveira. Um restaurante do concelho consegue elevá-lo a uma entre as 7 Maravilhas da Nova Gastronomia em Portugal, com um prato intitulado Veado do Bosque.
Vila Nova de Cerveira arrecadou o prémio na categoria de Cozinha Molecular, que consiste na aplicação de técnicas da indústria de alimentos na cozinha convencional, cuja ideia principal é mudar a perceção e as sensações ao provar um alimento com o qual já estamos acostumados.
[Fotografia: DR]
Feita a festa, os resultados continuam a ser claramente mais favoráveis à lampreia e ao sável.
O Debulho de Sável à Cerveirense, segue como um dos mais afamados pratos deste concelho. Entre março e maio, são às centenas que chegam para degustar mais esta preciosidade do rio Minho.
Mais do que um prato genuíno, esta iguaria tem uma forte componente histórica e identitária relacionada com a atividade piscatória sazonal, entre março e meados de maio.
[Fotografia: DR]
Segundo reza a história, em Vila Nova de Cerveira, os homens pescavam o sável e as mulheres encarregavam-se de o vender de porta em porta.
A cabeça, o rabo, as ovas e as postas pequenas eram as menos apetecíveis, mas com arte e engenho, criou-se o debulho de sável, como forma de aproveitar essas partes menos nobres do peixe.
Mais acarinhado do que saboreado
O veado, esse, continua a tentar impor-se. É apreciado, mas ainda longe de ser visto como “tradição” no concelho.
É, isso sim, um símbolo. Também conhecido por cervo, está representado na emblemática escultura no topo do monte do Crasto.
Reza a lenda que é a ele que Cerveira lhe deve o nome devido à enorme colónia de cervos existente neste território durante a Idade Média.
Faz parte da vida dos cerveirenses. Tanto que até figura na bandeira do Município.
É, por isso, mais acarinhado do que saboreado. Mais estimado do que caçado.
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