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Paredes de Coura

P. Coura: Ninguém esquece a noite em que o horror invadiu a vila

19 Maio, 2018 - 06:42

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Uma ponta de cigarro acesa pode ter estado na origem de uma das piores noites em toda a história de Paredes de Coura. Pelo menos é essa a convicção de […]

Uma ponta de cigarro acesa pode ter estado na origem de uma das piores noites em toda a história de Paredes de Coura. Pelo menos é essa a convicção de António Pereira Júnior, antigo presidente da Câmara. Foi há 37 anos. Na vila, quem lá esteve, não esquece aquela noite de 19 para 20 de maio de 1981. “Eu estava em casa, com a minha família. A minha casa fica precisamente na rua em frente à Câmara. Era quase meia-noite quando demos pelo incêndio nos Paços do Concelho”, contou o antigo edil à Rádio Vale do Minho. Começavam aí horas intermináveis de pânico numa vila que na altura era de uma pacatez incomparável. Não havia festivais. Nesse campo, só mesmo o de Vilar de Mouros.

“Corri imediatamente para o edifício. Havia muitas labaredas, mas ainda consegui entrar”. Pereira Júnior era na altura um dos funcionários mais antigos e com mais responsabilidades na autarquia, então presidida por José de Sousa Guerreiro. Fintou o fogo e o calor. Como que instintivamente, dirigiu-se ao local onde eram guardados os documentos mais importantes. “A partir do primeiro andar, começámos a atirar para a rua a documentação toda. Quer das finanças, quer do tribunal” que funcionava também naquele espaço.

O pânico começava a instalar-se. As pessoas começavam a sair à rua. No imediato, a multidão começou a ajudar os bombeiros. Todos a tentar evitar o que parecia já impossível. “Havia muitos carros estacionados à volta da Câmara e as pessoas começaram de imediato a tirá-los de lá, mesmo sem a presença dos proprietários”. O edifício corria o risco de ruir e o cenário piorava a cada instante. “Era assustador. As labaredas tinham já rebentado com o telhado, isto porque o fogo começou no primeiro andar. Era lá que funcionava o nosso tribunal e nesse dia tinha havido um julgamento”, continuou Pereira Júnior. “A sala onde eram colocadas as testemunhas era um espaço quase todo revestido a madeira. Era uma zona onde era permitido fumar. Pensa-se que terá sido a ponta de um cigarro que terá despoletado o incêndio”.

 

António Pereira Júnior:  “Era assustador. As labaredas tinham já rebentado com o telhado.”

 

Entretanto, o fogo crescia. Os bombeiros de Paredes de Coura, comandados por Romeu João de Carvalho (1928-1996), depressa deixaram de ser suficientes para enfrentar o monstro. Pediram apoio a corporações vizinhas. “Tivemos de voltar a entrar na Câmara e retirar mais documentação que estava a deteriorar-se. Desta vez não eram as chamas, mas a água deitada pelos bombeiros”, prosseguiu Pereira Júnior. “A dado momento, a iluminação pública falhou. Eram as chamas do incêndio que iluminavam toda aquela zona”.

 

Na manhã seguinte, o cenário era desolador. Uma ferida enorme aberta no coração de Paredes de Coura. A autarquia fazia contas à vida e o valor dos prejuízos crescia a toda a velocidade. “Se fosse hoje, estaríamos a falar de um prejuízo na ordem de um milhão de euros”, gizou o antigo presidente da Câmara. Sem contar com os originais de obras escritas que se perderam para sempre. Mas o pior foram os danos causados na alma do povo. De cada munícipe. “Cada uma das entidades que funcionava naquele edifício teve de arranjar espaços para continuar a trabalhar”. E assim correria a vida em Paredes de Coura nos quatro anos seguintes. Todos tiveram de sujeitar-se a uma descentralização enorme de serviços, com o incêndio a ser tema de conversa durante muitos meses em cada café. Em cada esquina.

 

O pequeno João que queria ter visto o fogo

 

João Carvalho, que viria a ser um dia o fundador do Festival Vodafone Paredes de Coura, tinha apenas nove anos quando este desastre aconteceu. Enquanto as chamas consumiam o edifício da Câmara Municipal, o pequeno João dormia a sono solto. “Fiquei chateado com a minha mãe por não me ter acordado para ver o incêndio”, contou-nos com um sorriso à mistura. Como é óbvio, João Carvalho não perdeu tempo na manhã de 20 de maio. Saiu de casa a correr e foi ver tudo com os seus próprios olhos. “Quando se é criança, tudo o que ouvimos ganha uma magia especial. Lembro-me de ficar fascinado com as histórias das pessoas que conseguiram salvar arquivos”, contou.

 

João Carvalho: “Desde então nunca mais falei com ninguém sobre isto. Estou a sentir uma série de emoções guardadas há anos.”

 

Na sua inocência, o jovem João – ainda a léguas de pensar em rock – olhava todas aquelas pessoas num entra e sai de um edifício em ruínas a transportar volumes de documentos que escaparam ao fogo. “Na altura eu não tinha ainda consciência do que era uma Câmara, mas percebi que aquilo mexeu muito com Paredes de Coura e que iria ser um facto histórico. Confesso que desde então nunca mais falei com ninguém sobre isto”, admitiu. “Agora tu falaste-me nisso e estou a sentir toda uma série de emoções que estavam aqui guardadas há anos”.

A recuperação total chegou a 21 de setembro de 1985. Foi nesse dia que foram inaugurados os remodelados Paços do Concelho e também a Casa da Cultura. A cerimónia foi presidida pelo então Ministro da Cultura, António Coimbra Martins.

 

 António Pereira Júnior [já presidente da Câmara] e João Carvalho, no princípio dos anos 90

 

 

 

[Fotografias: Direitos Reservados / Especial agradecimento a Cecília Pereira pela cortesia na cedência do arquivo fotográfico para esta reportagem]

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