É uma história de contrabando. De um tesouro que vinha da Galiza.
Conta a a Notícias Magazine que, em tempos, Salazar tentou travar esta tradição para proteger a frota bacalhoeira. No entanto, o povo do Vale do Minho sempre arranjou maneira de fazer chegar ao prato este manjar que vinha lá de cima, da Galiza.
À Notícias Magazine, Albertino Gonçalves, professor de Sociologia na Universidade do Minho, referiu mesmo que o bacalhau da consoada não é, em boa verdade, uma tradição assim tão antiga.
No final dos anos trinta, depois da Guerra Civil Espanhola e de uma tremenda escassez de alimentos nos dois lados da fronteira, o Estado Novo quis ordenar o abastecimento alimentar do país para travar a fome.
“Salazar definiu zonas e produtos: cereais no Alentejo, sardinha nos portos pesqueiros, hortícolas e frutícolas no Oeste. E investiu seriamente na frota bacalhoeira, capaz de trazer das águas frias do Norte um ingrediente barato e altamente duradouro”, disse o investigador. “Nessas contas, o polvo, que vinha essencialmente de Espanha, não tinha lugar”.
Entrada de Melgaço vigiada pela Guarda Fiscal
[imagem cedida pelo Museu Memória e Fronteira]
Melgaço desafiava o Estado Novo
O bacalhau nascia da vontade política, mas o Município mais a norte de Portugal teimava em resistir ao menu imposto pelo fascismo.
Na maioria das vezes, conta-se, foi o jogo do gato e do rato. Avelino Fernandes, 69 anos, era guarda-fiscal em São Gregório, freguesia de Melgaço.
“Em novembro e dezembro já se sabia que aumentava o contrabando de polvo. Éramos 32 guardas e reforçávamos a vigilância nesta altura”, conta à Notícias Magazine.
Muitos deles eram homens da terra e na maior parte dos casos fechavam os olhos à passagem do repasto natalício.
“O problema era a PIDE, que andava sempre em cima de nós para controlarmos o polvo. Eram maus como as cobras, eram capazes de deixar uma família sem ceia na consoada para cumprir aquilo que o Salazar queria”, disse.
A sua memória preferida de quase quatro décadas naquele ofício foi o dia em que prenderam os agentes da polícia política, em abril de 1974.
“Mil e uma maneiras de disfarçar a entrada de mercadoria”
António Domingues, 84, concorda. Era apalpador na alfândega, revistava os homens que passavam pelo posto fronteiriço, vindos da Galiza.
“As pessoas arranjavam mil e uma maneiras de disfarçar a entrada de mercadoria. Traziam coletes encostados ao corpo, camadas falsas de roupa, tudo o que se conseguisse imaginar. Mas, na altura do Natal, não precisava de tocar em ninguém. Se alguém trazia polvo, eu topava-o pelo cheiro”, recordou.
Edifício da alfândega de São Gregório era um dos postos de fronteira de Melgaço
[Fotografia: Gonçalo Delgado]
Há em Melgaço um museu chamado Memória e Fronteira onde se presta homenagem às décadas em que a passagem para Espanha era atividade furtiva. Ao contrabando, mas também à emigração.
Os arquivos das apreensões pela Guarda Fiscal estão ali guardados – e basta olhar para os registos para perceber como o polvo era importação da quadra.
“Quando chegava a altura do polvo tínhamos de ter cuidados redobrados, por causa do cheiro que largava”, conta numa cumeada em frente ao rio. Era por ali que passavam o produto e o escondiam em covas no chão.
“Mas não podia ficar muitos dias, senão a Guarda dava por ele”, contou à Notícias Magazine Amadeu Pereira, de 83 anos. O molusco era contrabando em movimento constante.
A passagem fazia-se entre as duas e as três da manhã, “hora em que até as pedras dormem”.
Cada pessoa com 40 quilos de polvo seco atados por um cordel, e às vezes eram mais de uma vintena a tentar cruzar o rio.
“Tínhamos uma barca afundada com uma pedra, que puxávamos por uma corda para trazer o produto para Portugal. O primeiro passava sempre sem carga, não fosse a Guarda estar à espreita. Se fosse apanhado gritava que andava ali raposa e voltávamos todos para o mato. Se estivesse livre, atirava três pedras para a água a anunciar que o caminho estava livre. Era o sinal”.
O caminho para ir buscar o polvo era longo, 30 quilómetros pelo meio do mato, que na estrada podiam ser apanhados pela Guardia Civil. “Só andávamos de noite, e sempre em silêncio. De dia dormíamos no meio do bosque”.
O abastecimento fazia-se no armazém de um antigo merceeiro galego, no lugar do Couto.
Nas aldeias de Melgaço, hoje toda a gente conta a mesma história. O polvo chegava seco e pendurava-se atrás da porta.
Dois dias antes do Natal juntava-se o mulherio nas fontes e mergulhavam-no na água. Depois, era agarrá-lo pela cabeça e batê-lo numa pedra, pelo menos cinquenta vezes.
Então, graças ao norte, é q se manteve, a tradição de comer bacalhau na consoada
Desconhecia esta curiosa história contemporânea. Grato pela informação.
Excelente história