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Melgaço

“Bolas de fogo arremessadas por Deus” – Melgaço viu o ‘fim do mundo’ há 400 anos

5 Abril, 2019 - 23:34

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“Aparecem naquelas partes [em Melgaço e na Galiza] muitos sinais horrendos de dia e de noite. No dia 16 de Abril ao sair do Sol aparecera um grande raio de […]

“Aparecem naquelas partes [em Melgaço e na Galiza] muitos sinais horrendos de dia e de noite. No dia 16 de Abril ao sair do Sol aparecera um grande raio de cor verde e amarela, o qual se rematava em duas nuvens pequenas, uma muito branca, e outra muito vermelha”. As palavras foram escritas há quase 400 anos por um cidadão melgacense. Em abril de 1665, mais precisamente. Eram dirigidas ao Padre António Vieira que, por sua vez, as enviou a Nuno Álvares Pereira de Melo, Duque de Cadaval na altura. O título fazia deste último o “parente mais chegado, por varonia, à Casa de Bragança e maior pessoa em Portugal abaixo de Sua Majestade [Rei D. João IV]”.

Segundo relata Valter Alves, professor e entusiasta da história melgacense, no seu blog Melgaço, entre o Minho e a Serra, o município mais a norte de Portugal vivia tempos de medo e sobressalto nesse ano. A população vivia de olhos pregados no céu abismada com aquela “estrela de cabeleira” que apareceu do nada. Havia uma sobrecarga de medo, conta-se. O povo via o fenómeno como “bolas de fogo arremessadas por Deus para castigo dos homens”. Ou então “sinais do Céu para aviso da humanidade”.

 

Tinha um observatório no telhado de três casas… acertou em cheio!

 

O clima de espanto estendia-se por todo o país e até pela Europa fora. “Em Coimbra se viu também por algumas vezes um globo de fogo para a parte do Sueste, que nascia à meia-noite, e se ia levantando devagar, e durava por espaço de duas ou três horas”, prossegue o Padre António Vieira, citado pelo investigador melgacense.

A ciência apressou-se a investigar o fenómeno. A explicação veio da Polónia, através do astrónomo Johannes Hevelius. Nascido em 1611, descobriu neste campo de estudo a sua grande paixão. Era filho de comerciantes ricos. Tinha três casas geminadas e aí construiu um enorme observatório com equipamentos topo de gama na altura. Destacava-se um telescópio construído pelo próprio com 45 metros de distância focal.

Naquele mesmo ano de 1665, aos 54 anos de idade, este astrónomo observou um novo corpo celeste a partir da Terra. Era um cometa. Foi batizado com o seu nome. Estava encontrado o responsável pelos estranhos fenómenos causados no velho continente, particularmente… em Melgaço.

 

Olhem só quem voltou!

 

Os séculos passaram. Melgaço seguiu o seu curso no tempo e estes episódios acabaram quase esquecidos. Assim como o próprio cometa. Só que Johannes Hevelius determinara uma verdade fundamental após ter descoberto ainda mais três cometas: estes corpos estão numa trajetória parabólica ao redor do sol.

Dito e feito. Em 2002, o mundo ficou perplexo com o regresso do cometa Hevelius. Mais de 300 anos depois, ele aí estava a fazer o seu caminho de aproximação à Terra. Numa primeira observação, os astrónomos já do nosso tempo pensaram ter descoberto um novo cometa. Deram-lhe até um nome: Ikeya Zhang. Só que não. Era o Hevelius.

“Tem o aspecto de uma pequena névoa na constelação de Peixes, na direcção de ocidente e a 17 graus de altura”, informou Hermann Mucke, director do Departamento Astronómico de Viena e perito em cometas. No momento em que fez a sua maior aproximação à Terra, o cometa esteve a uma distância de apenas 60.400.000 quilómetros.

Tornou-se assim, evidente, que este astro necessita de vários séculos para completar o seu ciclo de entrada e saída do Sistema Solar, numa volta elíptica com uma inclinação de 28 graus relativamente à Terra.

Segundo noticiou na altura o jornal Público, Mucke explicou que o que torna especialmente atractivo o Hevelius “é o facto de a sua cauda, que alcança um comprimento equivalente ao diâmetro de quatro luas, poder ser apreciada em todo o seu esplendor, já que a sua trajectória permite uma observação completa lateral ou de perfil”.

Os cometas são corpos espaciais pequenos, com um núcleo formado por pó e gelo, que raramente supera um diâmetro de 20 quilómetros. São geralmente chamados “bolas de gelo sujo” espaciais. Apenas quando se aproximam de um astro como o Sol é que os cometas, afetados pelas radiações da estrela que “sopra” a matéria do seu núcleo, começam a brilhar, formando-se a sua tradicional causa luminosa, que provoca o seu auto-consumo e os faz perder matéria.

Feitas as contas, a próxima oportunidade para observar o cometa Hevelius a partir da Terra e a olho nu ocorrerá só depois do ano 2300.

 

[Fotografia: Ilustrativa / Direitos Reservados]

 

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