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Pandemia 1918: Tinha apenas nove anos – Sofreu, dormiu na rua e morreu sozinha

3 Maio, 2020 - 20:43

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PUB A pequena Jacinta tinha apenas nove anos de idade quando o seu irmão Francisco, com 11 anos, padecia de uma doença então desconhecida por todos. Atacava sobretudo os mais novos. […]

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A pequena Jacinta tinha apenas nove anos de idade quando o seu irmão Francisco, com 11 anos, padecia de uma doença então desconhecida por todos. Atacava sobretudo os mais novos. Tinha aparecido há um ano e continuava, sem piedade, a ceifar vidas a crianças e jovens de norte a sul. Era a gripe pneumónica, provocada pelo vírus Influenza.

“Nossa Senhora veio-nos ver e diz que vem buscar o Francisco muito em breve para o Céu. E a mim… disse-me que ia para um hospital…”, confessou Jacinta à prima Lúcia, que era três anos mais velha.

Francisco morreu. Corria o dia 4 de abril de 1919.

Nesse dia já Jacinta tinha adoecido. A mesma doença, numa altura em que os casos ativos da 3ª vaga [e última] estavam a diminuir a nível mundial.

Com os sintomas a agravarem-se durante o verão, Jacinta foi levada para o Hospital de Santo Agostinho, em Vila Nova de Ourém. Ficou internada durante praticamente todo o verão desse ano. A prima Lúcia foi visitá-la e Jacinta, pelo meio da conversa, fez mais uma revelação.

“Nossa Senhora veio visitar-me e disse-me que vou para Lisboa, para outro hospital; que não te torno a ver, nem os meus pais; que, depois de sofrer muito, morro sozinha, mas que não tenha medo; que me vai lá Ela a buscar para o Céu”, contou a pequena adoentada na cama.

Jacinta teve alta em agosto desse ano de 1919. Mas, em vez de melhorar, a saúde da criança foi de mal a pior. O corpo a arder em febre, tosse, congestão nasal e fadiga foram uma constante até à chegada do inverno.

 

Ao frio nos braços da mãe

 

A notícia das aparições de Fátima, que tinha ocorrido há dois anos, espalhou-se pelo país. Conforme conta a revista Visão, em artigo publicado no centenário da morte da criança, o Barão de Alvaiázere – homem de muita Fé nos já famosos pastorinhos de Fátima – ofereceu-se para pagar todos os tratamentos. Só que estes teriam de ser feitos em Lisboa, no Hospital Dona Estefânia.

Estávamos já no final de janeiro de 1920. No dia 21 desse mês, levada pela mãe, Jacinta partiu de comboio para a capital. À chegada surgiu um problema: o Hospital só aceitava crianças de Lisboa. O Barão encarregou-se de apressar as coisas.

Em pleno inverno e numa grande cidade que desconheciam por completo, Jacinta (cada vez mais débil) e a mãe não tinham onde dormir. Não tiveram outro remédio. Tiveram de aguentar o frio e pernoitar na estação do Rossio. No dia seguinte, foram acolhidas por Maria da Purificação Godinho, diretora do Orfanato de Nossa Senhora dos Milagres.

Os dias passavam e o estado de saúde de Jacinta piorava ainda mais. A tosse intensificava-se e a febre continuava a manifestar-se.

Finalmente, no dia 2 de fevereiro Jacinta foi admitida no Hospital Dona Estefânia. Tinha sido registada como órfã na cidade. Teve de despedir-se da mãe. Entrou sozinha. Apenas o diretor daquela unidade hospitalar sabia quem ela era, conforme conta o mesmo artigo publicado na Visão.

 

Uma menina corajosa

 

Tinham já passado [pelo menos] 12 meses desde que Jacinta tinha apresentado os primeiros sintomas. “Jacinta entrou com uma ferida aberta no peito e já muito debilitada, depois de mais de um ano com uma infeção pulmonar”, conta a Visão. Tinha de seguir imediatamente para o bloco operatório.

Jacinta ficou nas mãos do cirurgião Castro Freire que, desde logo, percebeu que não ia ser fácil e certamente seria uma intervenção bastante dolorosa. Era uma altura em que não existia a anestesia geral. “A criança foi apenas atordoada com um pouco de éter”, explica a revista.

Durante a operação, o cirurgião retirou duas costelas à criança. No relatório final, o médico mostrou-se estupefacto com o comportamento de Jacinta. “Fiquei impressionado com esta menina, qualquer outra criança teria gritado ou esperneado, ela só disse ‘Ai meu Jesus, ai minha Nossa Senhora’ .

 

Lisboa ficou a saber

 

Jacinta não recebia visitas, devido à sua condição de anónima naquele hospital. Mas tinha de falar com alguém… e falou. “Terá comentado com uma enfermeira que Nossa Senhora lhe tinha tirado as dores, e assim se começou a espalhar por Lisboa que Jacinta de Fátima estava na Estefânia”.

O vírus não dava tréguas… e Jacinta não resistiu. Faleceu a 20 de fevereiro desse ano de 1920. “O seu corpo foi levado para a casa mortuária do hospital. Vestiram-na de branco com uma cinta azul. No dia 21 de Fevereiro fez-se a transladação do seu corpo para a igreja dos Anjos onde permaneceu até dia 24″, conta o portal oficial do Santuário de Fátima.  O corpo de Jacinta Marto seguiu para o cemitério de Fátima onde foi sepultada. No dia 1 de maio de 1955, os seus restos mortais foram transladados para o Santuário de Fátima.

Mais de quatro décadas depois, a 13 de maio de 2000, Jacinta e o irmão Francisco Marto foram beatificados pelo Papa João Paulo II. Dezassete anos depois, a 20 de abril de 2017 e por ocasião do centenário das aparições de Fátima, o Papa Francisco confirmou a canonização dos dois pastorinhos elevando-os, assim, a Santos.

A Gripe de 1918 (Gripe Espanhola) foi uma pandemia que atingiu quase toda a parte do planeta. Foi causada por uma estirpe do vírus Influenza, no subtipo H1N1. Estima-se que tenha causado perto de 100 milhões de mortos em todo o mundo.

Em Portugal o número oficial de vítimas foi superior a 60 mil.  Entre estas, os irmãos Jacinta e Francisco Marto, pastorinhos de Fátima.

 

Cama de Jacinta Marto no Orfanato onde ficou a aguardar a entrada no hospital, hoje um espaço visitável  [créditos: Carla Afonso Rocha]

 

Registo de entrada de Jacinta Marto no Hospital D.Estefânia [créditos: Torre do Tombo]

 

 

Leia ou releia mais sobre os efeitos da Pandemia de 1918 no Vale do Minho AQUI

 

 

[Fotografia de capa: Direitos Reservados]

 

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